Do preconceito a
invisibilidade no movimento: Onde estão os LGBTs com deficiência?
O mundo LGBT é pautado pela diversidade, não apenas de
identidades ou orientação sexual, mas também na variedade de pessoas que
integram essa população. Apesar de pouco falado e costumeiramente
invisibilisado, mesmo nos espaços em que deveríamos dar notoriedade e apoio
mútuo, percebe-se que é comum ignorarmos o fato de que existem LGBT’s com
deficiência.
A sociedade exclui, afasta e tenta eliminar, tudo aquilo
que foge das regras, ou da dita “normalidade”, faz-se necessário, vencermos o
muro da indiferença, dando voz para todos e todas que integram o “mundo do
arco-íris”.
Pensando nisso, há alguns meses atrás, resolvemos usar o
público da página Menino Gay, para criarmos e divulgarmos um grupo, chamado
“LGBT’S COM DEFICIÊNCIA – SOMOS CAPAZES! (https://www.facebook.com/groups/lgbtscomdeficiencia/)
E é chegada a hora de conhecermos estas pessoas:
Eu me chamo Samantha, tenho 25 anos, moro em São José dos
Campos – SP. Eu nasci deficiente e com outras doenças também, porque minha mãe
teve rubéola quando estava gravida de mim. De um dos meus ouvidos eu não escuto
nada, do outro eu tinha 85% de audição, embora com o passar dos anos, descobri
que tenho diabete tipo 1 e ela afetou o resto de minha audição. Desde pequena,
uso aparelho auditivo.
Quando eu tinha cerca de 14 anos, eu amava cabelos longos,
maquiagens, roupas femininas e etc... Tive dificuldade na escola, pois por ser
“gay afeminado”, muitos mantinham distancia de mim. Hoje eu faço tratamento
hormonal. Demorei um pouco a tomar essa decisão, pois minha mãe sempre me
explicou as coisas que as pessoas Trans passam na vida, então eu me assumia gay
afeminado... Mas nunca desisti de ser quem sou por dentro e hoje venho lutando
muito feliz em conseguir ser uma travesti ou Trans. Sou maquiadora
profissional, blogueira e youtuber a pouco tempo.
Apesar de tudo, não foi muito difícil pra minha mãe aceitar
quem eu sou, embora ela tenha muito medo de me ver sofrer algo ou ate mesmo ter
depressão... Ela sempre me apoia em tudo o que eu faço. Já os outros da
família, nunca deram muita importância sobre mim. Meu pai nunca me criou e nem
me aceita.
Hoje em dia, vou poucas vezes a baladas, pois tenho muita
dificuldade no ambiente que é horrível pra conversar e conhecer amigavelmente
as pessoas. Eu costumo muito ter encontros com amigos em alguns barzinhos ou na
casa deles, quando rola tipo umas festinhas, já que lá, todos eles entendem um
pouco minha situação e são muitos compreensíveis e muito amigáveis.
Sobre relacionamentos, eu
não namoro e ainda não namorei ninguém. Esse vem sendo o maior problema para eu
conseguir um relacionamento sério, pois até hoje, todos os relacionamentos que
tive foram escondidos ou casuais, porém nada duradouro. Infelizmente a
deficiência muitas vezes é o meu problema, inclusive por causa dos rapazes que
tem curiosidade em ter relação com Trans e etc. Meu maior desafio amoroso é
encontrar alguém que me aceite.
Meu nome é Welton Pinotti Rovetta, tenho 32 anos, sou
portador de uma doença genética chamada Distrofia Muscular Progressiva tipo
Cinturas, caraterizada pela degeneração e enfraquecimento predominantemente
proximais dos músculos das cinturas escapular e pélvica. Comecei a apresentar
os sintomas no início da adolescência, o que foi traumático. Comumente é uma
idade de transformações, principalmente corporais e de descobertas, inclusive a
da sexualidade. É um período em que o jovem reconhece-se entre iguais e abre-se
para o mundo. Justamente nessa fase foi que comecei a sentir fraqueza nos membros
inferiores. Em plena idade escolar, as limitações físicas já me impediam de
participar de determinadas atividades, o que me deixava extremamente frustrado,
pois isso gerava a curiosidade das pessoas, e sequer eu havia recebido um
diagnóstico. Também nessa idade foi que reconheci, dentro de mim, que era
homossexual, já com a certeza de que era algo irremediável. Ao perceber o
quanto minhas diferenças me apartavam dos demais, talvez por falta de
conhecimento ou imaturidade, me fechei e passei a encarar minha própria
realidade com preconceito. Ao longo de toda adolescência, minha fraqueza
muscular foi progredindo. Somente com 20 anos fui diagnosticado com a referida
doença. Com 27 passei a usar a cadeira de rodas eventualmente, após muito
negá-la. Ao perceber o quanto a cadeira me daria autonomia e liberdade, aceitei
minha condição. Hoje me considero mais feliz e capaz de superar, um dia após o
outro, as barreiras que a vida me impõe.
Ser um LGBT com deficiência é ter que ser duplamente forte
e corajoso para sobreviver num mundo caracterizado pelos padrões, infestado
pelo preconceito. É ser capaz de se levantar da cama amando-se mais a cada nova
manhã, independente daquele olhar que te machucou. Desde 2004, sou aposentado
por invalidez, termo que considero injusto, pois apesar de não estar apto para
o trabalho, sinto-me capaz de realiza-lo. Em 2009 graduei-me em pedagogia, mas
nunca exerci essa profissão, que sou apaixonado. De 2007 a 2012 realizei um
trabalho voluntário de agente de leitura com as crianças da minha comunidade, o
que me rendeu um prêmio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de destaque
em toda região sudeste. Trabalho em casa com formatação de trabalhos
acadêmicos. As dificuldades que enfrento no dia a dia são aquelas relacionadas
à falta de acessibilidade e à falta de conhecimento das pessoas. Os degraus nos
impedem de alcançar uma oportunidade. A falta de conhecimento nos impede de
alcançar o coração daquele que nos ignora. É triste, pois há prejuízos para
ambas as partes.
Apenas uma vez sofri preconceito por ser uma pessoa com
deficiência. Cobrei respeito, pois o indivíduo estava impedindo minha
acessibilidade. Porém, este me respondeu, num tom de sarcasmo, que se não
respeitava nem uma pessoa normal, por que iria respeitar um “aleijado”? Fiquei
sem ação, ignorei e me afastei. Mas aquilo me afetou profundamente. Não por me
sentir um “aleijado”, mas por perceber o quão distantes estamos de nos
tornarmos uma sociedade verdadeiramente evoluída e humanizada. Nunca sofri
preconceito direto por ser LGBT. Desde que assumi o que sou, senti que passei a
ser ainda mais respeitado entre os meus. Mas já presenciei comentários
extremamente ofensivos sobre a homossexualidade. E apesar de não terem sido
direcionados a mim, pois quem disse sequer me conhecia, embora me magoaram.
Preferi ficar em silêncio, pois o preconceito, muita vezes, pode vir
acompanhado de violência. Apesar de poder me defender da ignorância, não sou
capaz de me defender de uma agressão física. Em geral, sinto que o preconceito
contra PCD’s é velado. Ao contrário daquele contra LGBT’s, a deficiência gera
aversão de alguns homossexuais e gera ameaça para alguns pertencentes a essa
categoria.
Com todo minha família tenho uma relação de carinho,
respeito e cumplicidade. Está além da simples aceitação. Sou grato pelo apoio e
pelo suporte que me dão diariamente, tanto como PCD quanto como homossexual.
Morei com meus pais até meus 28 anos. E antes de sair do armário, tomei a
decisão de sair de casa. E apesar de hoje morarmos em casas separadas, depois
que me assumi, nossa proximidade só aumentou. Minha família é uma presença
constante na minha vida. Encorajam-me a ser feliz naquilo que sou na condição
que estou a crescer tanto como pessoa quanto como profissional, a me superar.
Sou fruto de um lar caracterizado por abraços e muito amor. Valorizam minhas
decisões. Dão-me voz e importância. Talvez por isso eu me sinta seguro em
explicitar o que sou verdadeiramente como gay e cadeirante.
Sou casado há 4 anos com meu companheiro, que não é PCD. Ele
me deu coragem para assumir minha homossexualidade. Foi meu primeiro e único
relacionamento concretizado até agora. Antes eu nem cogitava a possibilidade de
me envolver com alguém. Não tanto pela orientação sexual até então reprimida,
mas pela deficiência, que tanto me limitava. Nesse aspecto, a internet torna-se
uma ferramenta de grande importância, pois permite mostrar-se sem aquele rótulo
inicial de pessoa com deficiência, que grita como um letreiro de neon.
Possibilita alcançar o outro sem esbarrar na superficialidade rígida das
aparências. Torna tudo mais permeável e acessível. Mas mesmo pela internet,
quando era solteiro, já tive sim dificuldades em me relacionar com alguém por
ser uma pessoa com deficiência, pois quando “revelava” que era cadeirante,
algumas pessoas se afastavam. É muito difícil, pois ninguém chega no outro e
diz de cara: “Olá, prazer, sou cadeirante!” As vezes a conversa flui e demora
um tempo para surgir uma oportunidade razoável de dizer, ou para nos sentirmos
seguros o suficiente para dizer. Não julgo. O outro tem o direito de não me
querer como parceiro. E isso não é necessariamente preconceito. Mas é triste
ser rejeitado por algo que você não pode mudar. Porém, a pessoa certa sempre
aparece. Pode demorar, mas aparece. Pois a deficiência age como um filtro, onde
só quem realmente importa e valha a pena conhecer, chegará até você.
Eu me chamo Altair Leonarde, tenho 22 anos e tenho perda
auditiva bilateral, mas a perda maior é no lado esquerdo. Eu comecei a perceber
minha perda auditiva a partir dos 18 anos. Segundo o médico ela é genética e
progressiva, mas poderá parar quando eu passar totalmente da "fase do
crescimento" (risos).
Ser um LGBT já é enfrentar um grande desafio em sociedade,
e ser um LGBT com deficiente é preciso ter um controle muito grande do
emocional e psicológico, já que a sociedade, pois tem que encará tudo isso como
uma pessoa normal, fisicamente falando. Eu estudo e trabalho. Meus pais não
sabem sobre minha orientação sexual e sobre minha identidade de gênero, somente
minhas irmãs sendo uma cis e a outra lésbica. Eles são conservadores e por
causa disso, eu acabei construindo um muro entre nós, mas para me defender de
ataques preconceituosos, minha família toda sabe sobre mim, isso quando se
trata de rede social, desde criança eu dançava Rouge e Spice Girls, por favor,
só não querem ver e aceitar quem não querer. (risos).
Confesso que não foi nada fácil assumir minha deficiência
no âmbito acadêmico e no profissional, porque soltam uma piadinha "olha o
surdinho!" e logo em seguida "é só uma brincadeira, calma!",
agora enquanto ser uma pessoa não binária de gênero (no meu caso agênero) e
gostar de homem. Parece que as pessoas ''bugam'' e sou visto como um garoto gay
e surdo, para eles não sou nada mais que isso.
No âmbito acadêmico nunca sofri preconceito, porque consigo
peitar todos. No familiar, bem, de forma aberta sabem somente da minha
deficiência, o que já se torna o motivo para me olharem com cara de coitado. No
profissional não há um dia que eu não sinta o preconceito e fobia através dos
olhos dos colegas de trabalho. Trabalhar na parte administrativa em empresa já
é muito difícil, mas ser LGBT e deficiente... Você vê muitas portas se fechando
sem ao menos nos dar uma oportunidade para mostrar que somos bons no que
fazemos. Uso as palavras de Viola Davis aos receber o Emmy "A única coisa
que diferencia os LGBTs com deficiência de qualquer outra pessoa é a
oportunidade".
Sobre meu dia a dia, eu também costumava ir em baladas LGBT
em SP, mas é aquela coisa, sou surdo e tem musica alta, então nesse tipo de
ambiente não tem muita diferencia gritante. Já em bares, os garçons chegam a
ficar irritados quando peço para repetir quando eles falam, porque sempre tem
muito barulho por causa do pessoal conversando ou rindo. Ainda não tenho meu
aparelho e isso dificulta bastante quando vou em bares com meus amigos.
Quando comecei a ter as perdas auditivas eu estava no
início do bacharelado, que foi dos meus 18 aos 20 anos, foi um momento da minha
vida que eu não queria me relacionar com ninguém para focar totalmente nos
estudos. No final do curso conheci meu atual namorado, desde o início deixei
bem claro que era deficiente auditivo e uma pessoa não binária. E como um
casal, nunca tivemos problemas com isso. Aliás, a família dele sabe sobre minha
surdez, não binaridade e sobre eu ser umbandista, eles nunca me trataram mal.
Eu agradeço muito por ter sido sortudo em conhecê-lo e estar com ele.
Me chamo Leandro, tenho 33 anos, e tenho uma deficiência
crônica que, se me lembro ao certo, desde os 15 anos começou a se manifestar
aos 18 anos, teve uma piora nos meus 23, pois alcançou o estado crônico,
linfedema em MID. Sou formado em Técnico de Enfermagem e quero cursar história.
Aposentei-me por invalidez no ano passado, (infelizmente porque amo a
enfermagem), pois minhas pernas doem muito e também, quase sempre não posso
usar calçado. Chego a pensar que minhas limitações está em mim mesmo. Às vezes
tenho vergonha porque ao andar na rua, as pessoas direcionam o olhar para as
minhas pernas... Isso me incomoda.
Já sofri preconceito por ser gay. Uma vez em uma escola de
samba, estava eu e meu ex-namorado e fomos recriminados por estarmos um próximo
do outro. Era 3hs da manhã quando chegaram até a mim e disseram: “Aqui não pode
ficar junto não têm crianças aqui”.
Respondi: “São três da manha, não é hora de criança estar
na rua”. Cheguei a fazer o B.O, mas meu ex não quis registrar por não querer
criar inimizade; aí terminei com ele.
Agora, por ser deficiente, uma vez um fake estava me
difamando, fazendo hora e gozação partindo com piadas de mal gosto. No entanto,
quando falei que ia registrar queixa a mesma me excluiu de sua rede social.
Se tratando de minha família em relação a minha sexualidade
e limitações físicas, eles são perfeitos: apoiam-me, respeitam-me, por isso,
temos uma relação muito boa. Eu namoro, sou muito feliz com ele e nunca tive
dificuldade com isso.
Meu nome é Rafael, tenho 24 anos e possuo deficiência na
perna esquerda, chamada de Displasia Ósseo-Fibrosa. Já nasci com esse problema,
porém não desenvolvi. Aos meus 3 anos de idade fraturei a perna e passei por
uma cirurgia, aos 10 anos de idade fraturei novamente o mesmo lugar, aí vieram
as complicações, desenvolvi um tumor e consequentemente minha perna não
progrediu como deveria e ficou mais curta do joelho para baixo.
Ser uma pessoa com deficiência já foi muito complicado
quando eu não possuía conhecimento de quem eu realmente sou. Atualmente
trabalho e curso farmácia. Em relação às dificuldades sempre procuro adaptá-las
de alguma forma que eu consiga realizar tal atividade. As pessoas já me
chamaram de aleijado, manco, perneta, manquinho. Agora quando se trata de ser
LGBT com Deficiência, você percebe o olhar preconceituoso das pessoas, já ouvi
até a frase "eu não namoraria um deficiente". Já tive muita
dificuldade em relação a aceitar quem eu realmente sou não digo o fato de ser
gay, mas sim ser deficiente, foi o mais complicado. Mas com o tempo minha mente
foi se abrindo a várias outras possibilidades, até que eu pude dizer "Eu
sou um LGBT com Deficiência". Mas para me relacionar com alguém percebo
que as pessoas buscam apenas o corpo perfeito, que qualquer coisa que foge
desse padrão é instantaneamente descartada, salvo suas exceções, claro.
Quando vou a baladas, por exemplo, há aquelas pessoas que
querem saber da sua história, mas a grande maioria vem com assuntos
"nossa, você não deveria estar em repouso", "esta desse jeito e esta
aqui"
Já na minha família, minha relação é apenas com meu Pai e
eu o acho uma das pessoas mais maravilhosas do mundo. Apesar de ele ser
evangélico, me respeita o suficiente para convivência, ajuda-me no que preciso,
não há o que reclamar.
Escrito por: Matheus Emílio – Administrador e Redator do
Menino Gay, com apoio de Rafa Filth, administrador do grupo LGBT’s Com
Deficiência – Somos Capazes.